domingo, 6 de maio de 2012

Crônica: Virada Cultural, Galinhada do Atala e os 500 Palhaços



Como já falei aqui no blog, a Virada Cultural de 2012 marcou a estreia do projeto “Chefs na Rua”, baseado num conceito bem simples: oferecer uma oportunidade para grande parte da população conhecer a cozinha e saborear pratos simples feitos por chefs famosos, unindo assim a alta gastronomia com a comida de rua.

A principal atração do evento era colocar ninguém mais que Alex Atala, responsável pela cozinha do badalado (e muito bom) D.O.M. servindo a famosa galinhada do Dalva & Dito (outro restaurante dele) em pleno Minhocão. Isso por si já projetaria o evento em posição de destaque dentre as mais de 1000 atrações da Virada, mas ainda existiam 2 grandes diferenças em relação ao evento “Chefs na Rua”: (1) apenas 500 porções seriam servidas, num período de 2 horas, e (2) nada seria cobrado – sim, a comida seria de graça.

Com os ingredientes acima, era de se imaginar que a “Galinhada do Atala”, como ficou conhecido o evento, receberia uma gigantesca quantidade de visitantes + curiosos, certamente muito acima do esperado pelos organizadores.

A palavra-chave para definir este evento que será lembrado por anos como um dos maiores micos de edições da Virada Cultural é “desorganização”. Eu cheguei no Minhocão às 19h30 para buscar saber mais sobre o evento – onde seria realizado, onde/como seriam organizadas as 500 pessoas contempladas com o prato. Em 1h30 eu recebi pelo menos 3 informações diferentes da organização, e só às 21hs, quando alguns já causavam algum tumulto e interferiam na montagem das outras barracas, é que alguém deu alguma informação com algum grau de veracidade – indicaram onde seria montada a barraca (próximo do acesso da rua Helvetia), fila seria organizada em frente à barraca, distribuição de 500 senhas às 23hs. Começou errado, mas aparentemente as coisas haviam entrado nos eixos. Só aparentemente.

O plano da organização do evento parecia ingênuo demais: organizar os interessados em fila indiana e contemplar os 500 primeiros com uma senha que daria direito a apreciarem o prato, sem cercas de proteção, nada. Apenas contando com a boa honestidade do povo brasileiro. Tava na cara que ia dar confusão.

Por volta das 21hs as pessoas voluntariamente formaram uma fila próxima à barraca, no canteiro que separa as duas pistas, que posteriormente recebeu aval da equipe de apoio. Eu estava entre os 100 primeiros, e de onde estava consegui perceber que, às 22hs, a cota de 500 pessoas já estava esgotada. No mesmo horário, notamos o início de um acúmulo de gente nas duas pistas – curiosos, pessoas que apenas passavam pelo local, mas muita gente interessada em furar fila.

Era o momento da organização tomar alguma atitude, e até um papagaio sabe que a velha “vou informar que apenas os que estão na fila é que serão atendidos” não funciona.

Por volta das 22h30, foram colocadas grades de proteção para isolar a área de trabalho do “staff”, mas nenhuma ação foi tomada sobre o acúmulo de pessoas nas laterais, tampouco para isolar a fila. Às 23hs, a fila indiana já tinha alguns quilômetros, e a muvuca já tinha praticamente “engolido” os 50 primeiros.



Importante registrar que 110% da culpa da bagunça do evento foi da organização: as tais senhas, prometidas para às 23hs, simplesmente não foram entregues. Às 0h15, já com o caos consumado, as grades de proteção foram removidas, não sei se a pedido da organização ou se após uma invasão (mais provável). Resultado: a grande parte das pessoas que furou fila conseguiu comer a galinhada, e grande parte das 500 pessoas que estavam na fila simplesmente foi embora de estômagos vazios.

Todo mundo sabe que o brasileiro é um povo desonesto, mal-intencionado, que busca tirar vantagem em tudo e só sabe olhar seu próprio umbigo. Odeio generalizar, mas são situações assim que mostram os reais valores de cada um. Adjetivos de um povo sem cultura, pobre de espírito, ignorante de atitudes e que infelizmente nunca será nada além de subdesenvolvido, coadjuvante, catarro do mundo. Como diz minha esposa, “você tira a pessoa da pobreza, mas não tira a pobreza da pessoa”.

Eu fui para prestigiar o evento, e ajudar a vender a imagem do Dalva & Dito de um restaurante que busca resgatar aquela comida brasileira tradicional com galinhada tradicional e frango de “televisão de cachorro”, entre outras coisas.

Poucos na fila pensavam como eu – a maioria esmagadora estava lá para ver o Atala, tirar fotos e colocar nas redes sociais, como se fazer papel de idiota fosse algo bonito. Outros estavam para provar “a comida estrelada do quarto melhor chef do mundo”, como se fosse ele próprio a fazer os pratos, ou ainda: como se o título dado pela publicação inglesa “Restaurant” fosse ao Dalva & Dito, e não ao D.O.M.

Para quem não sabe, o mesmo prato no Dalva & Dito (restaurante do Atala) custa R$ 59, dá direito à mesa, ar-condicionado e até a usar o banheiro. Assim como 90% das pessoas que estavam lá ontem à noite, eu POSSO PAGAR R$ 59 para comer o mesmo prato no restaurante.

E para quem não sabe: desde Fev/2011, todo sábado à noite, das 0hs às 3hs, o restaurante abre as portas e serve a tão famosa galinhada (marinadas por oito horas e refogadas por outras cinco em fogo brando com cebola, alho, pimentão vermelho, tomate, manjericão, hortelã, colorau e salsinha) a R$ 29 por pessoa, evento muito conhecido de quem gosta de comer como “a galinhada de madrugada”. O que muda? O cliente vai até a cozinha, pega seu prato e talheres e come à vontade. Tem galinha, arroz e pirão, a mesma servida ontem à noite, só que melhor.

Estou aqui para testemunhar em favor das pessoas que organizadamente foram até o Minhocão em pleno sábado à noite e encararam o vento cortante e o desconforto numa fila indiana em busca de um objetivo: prestigiar a São Paulo onde vivemos e os que diariamente escrevem histórias bonitas que orgulham a todos. Muitos estudantes de gastronomia, casais, famílias inteiras, todos amantes da boa cozinha e que não perderiam por nada a oportunidade de prestigiar um evento tão importante para a cidade. Para vocês, meu mais sincero MUITO OBRIGADO.

Infelizmente para nós, outros estavam presentes com um único objetivo: tumultuar, não somente furando a fila, mas aglomerando na frente como se fosse bonito passar na frente dos demais, fazendo de conta de que a fila não estava lá, rindo na cara de cada um de nós.


A galinhada já tinha ido pro brejo

Infelizmente são filhos de mães que não souberam dar o mínimo de educação. E, nessas horas, aqueles que respeitosamente aguardaram na fila são rotulados de “trouxas”, pois o que furaram a fila são os “espertos”; afinal, os “espertos” comeram a galinhada, e os “trouxas” voltaram para casa de estômago vazio.

Para a moça que, orgulhosa, revelou a um meio de comunicação após o evento, de galinhada em mãos, que “não pegou a fila e só conseguiu o prato porque entrou no meio do tumulto”, apenas um comentário: tenho PENA de você, vergonha de chama-la de “gente”. Espero que um dia você dê a você mesma uma chance de rever seus valores, e quem sabe até provar a galinhada no restaurante.

Sobre a organização do evento: não consigo encontrar palavras educadas para definir a incompetência dos que trataram os que ali aguardavam como GADO, que não mostraram a menor condição de evitar a iminente confusão e, uma vez em curso, não fizeram nada senão assistir. Como eu li hoje de manhã: se o Brasil não sabe organizar uma galinhada, vai querer organizar uma Copa do Mundo?


"Me dá uma galinhadaaaaaaa, pelo amor de Deeeeeeus!!!"

A única decisão inteligente da noite foi do próprio Atala: apareceu por volta das 0h30, viu a quantidade de esfomeados que se estapeavam para comer um simples prato de comida e, sabiamente, foi embora.

Culpar o Alex Atala pela desorganização do evento é como culpar apenas os políticos pela roubalheira deste país, e esquecer que somos NÓS os responsáveis por eleger a mesma corja de bandidos que há anos assola o nosso país, que roubam e dão risada nas nossas caras. A população tumultuou o evento, furou fila, invadiu o espaço reservado, e no final ficou vaiando e xingando os que estavam trabalhando, pela “demora”. Façam-me o favor.


Situação no Minhocão, quase 1h depois de sair o primeiro prato

Hoje de manhã li coisas absurdas como a “manifestação dos sem-galinhada”, que estaria sendo organizada para protestar, vejam só, na frente do D.O.M., e exigir “o prato não recebido no evento”. Para o pessoal que teve esta brilhante ideia: que tal ocupar a cabeça com alguma ação voluntária ao próximo, tipo cozinhar para os sem-teto, amparar os idosos, contar histórias para crianças? Quem sabe, assim, aprendam alguma coisa.

E antes que alguém pergunte: eu não consegui comer a tal galinhada.

15 comentários:

Anônimo disse...

Você não pode atribuir a falta de educação somente a criação materna. Isso está, antes de tudo, na genética do brasileiro.

Anônimo disse...

Vivo na região do Centro de São Paulo desde 2004, sendo assim, participo do evento em questão desde sua primeira edição e, infelizmente, percebo que algumas pessoas marcam presença com único intuito de denegrir todo o trabalho realizado, pois direta ou indiretamente é um evento político, já que envolve a prefeitura do Município. Isso pode ter contribuído para o fracasso da noite de sábado. Quanto ao Chef, caso fosse possível, ele deveria processar o responsável pela falta de organização, afinal, ele não tem necessidade alguma de participar de um evento que o promova. A dedicação e investimento de anos, além da competência já o promoveram. Espero que esse incidente não tenha, nem mesmo, riscado o seu prestígio.

Anônimo disse...

Não somente materna, mas também paterna. O brasileiro adora passar a responsabilidade para o outro, como é precebido em escolas. A educação de uma criança é obrigação da família.

André Esteves disse...

Realmente vergonhoso!

Anônimo disse...

Concordo com quase tudo. Acho apenas que ampliar a dimensão do incidente e com base nisso questionar se o país é capaz de sediar a copa do mundo é exagero. Por vários motivos. Houve esse problema pontual, mas a Virada em si foi um grande sucesso. Muito melhor que nos anos anteriores, os palcos ficaram mais espalhados, foi possível circular melhor pelo Centro inteiro. Foi uma pena esse incidente, mas ele não é o resumo mais perfeito do evento. Foi a exceção. Talvez por ser uma atração nova na Virada. No ano que vem a organização das barracas certamente será melhor.

Anônimo disse...

Se eu comentar seu post agora, talvez escreva mais do que devo... Vou dormir e quem sabe amanhã enxergo as coisas de outra forma, não é mesmo?

Daniel Neves disse...

Não vejo a comparação tão exagerada assim. São nos eventos pequenos que mostramos nossa capacidade de gerir os grandes.
A Virada rola desde 2005, é fato que as coisas melhoraram e seguirão melhorando, mas sempre aprendemos com os erros, quando deveríamos aprender com as experiências do que os outros já passaram.
Concordo que a Virada de 2012 foi um sucesso, mas ainda temos casos (isolados, claro) de violência, assassinatos, depredações. Nos falta não apenas um pouco de civilidade, mas também infraestrutura para receber um evento desde tamanho.

Anônimo disse...

Só quem tava lá sabe o que foi aquilo... Mas foi um fato isolado, o resto da virada foi show! http://vejasp.abril.com.br/blogs/arnaldo-lorencato/2012/05/07/galinhada-de-atala-estreia-da-virada-gastronomica-com-tropecos/

Anônimo disse...

Oi Daniel, nos conhecemos em uma das filas enormes do minhocão. A virada foi um sucesso, mesmo com todos os problemas. A gastronomia realmente estava muito desorganizada. Durante 3 horas e alguns minutos consegui comprar apenas 2 coisinhas e devido a demanda, os pratos deixaram a desejar, pois eram feitos rapidamente. Parabéns pelo blog.

Anônimo disse...

caro autor do artigo, se vc é tão chique, que raios foi fazer no MINHOCÃO, DE MADDRUGADA, PRA COMER GALINHADA??^?

hahaha

manezão

Anônimo disse...

Olha só, dormi, pensei bem e concluí que vc não merece minha resposta.

Só um conselho, se vc acha o povo brasileiro tão desonesto, por que não se muda pra Suiça e vai comer fondue?

Anônimo disse...

Somos a república das bananas: o povo cobra honestidade dos políticos, em contra partida fura fila, gosta de levar vantagem em tudo, suborna policial em blitz, compra produto contrabandeado, estaciona o carro em vaga de deficiente, para em cima da faixa e avançar o sinal vermelho, declara imposto de renda falso para não ter que pagar, sem falar da falta de ética e a total ausência de moral ao jogar o direito do voto na privada a cada 4 anos.

Somos um acampamento mal organizado que não chegará jamais a ser uma nação. A certeza da impunidade funciona como um incentivo positivo para a prática da desonestidade.

Mas todos são desonestos? Claro que não. Mas são POUCAS exceções, com fortes valores de família para que não sigam "o caminho comum". Afinal, ser honesto no Brasil é sinônimo de OTÁRIO.

Gosta de ler? Que tal você ler um pouco sobre o que outros dizem a respeito?

http://montedo.blogspot.com.br/2011/06/o-brasileiro-e-um-povo-desonesto.html
http://intervox.nce.ufrj.br/~sivaldo/desonestidade.htm
http://epoca.globo.com/edic/19990524/espec5.htm
http://retalhosdeexistencia.wordpress.com/2011/09/02/a-hipocrita-honestidade-brasileira-ou-nao-tenho-orgulho-de-ser-brasileiro/

Outra coisa: é fácil criticar sem argumentos e se esconder atrás do "Anônimo". Pq vc não dá a cara pra bater?

Anônimo disse...

É O BRASIL!!!! Se distribuirem fezes do Neimar, vai haver tumulto pra provar...

Willian disse...

Que episódio lastimável.

Também estive lá para prestigiar o evento, afinal de contas as 21:00 eu já tinha jantado e estava com o estomago "forrado". Chegamos, eu e meus amigos, fomos até a barraca para nos informarmos sobre os detalhes e como "trouxas" de carteirinha fomos até o final da fila juntos com os demais "trouxas".

Por um tempo vivemos uma ilusão de que o país era uma maravilha, próspero e com um povo civilizado. Não durou muito, pois percebemos que o povo que subia o Minhocão ia direto para a área do começo da fila.

Como brasileiro, eu testemunho várias galinhadas todos os dias, a galinhada no Metrô, a galinhada nas ruas, a galinhada nas faixas de pedestres, a galinhada nossa de cada dia!

O evento no geral bombou? Com certeza, mas a galinhada é um fragmento que é um espelho deste povo miserável que cultua a Lei de Gerson o tempo todo, e que cresce a cada dia, enquanto a população de "trouxas" declina. Comparar uma galinhada com uma Copa do Mundo é válido, pois basta uma laranja podre para estragar uma caixa toda.

Aprendi a ler com "Caminho Suave" e tinha aulas de "Educação Moral e Cívica". Hoje é "Nóis pega os peixe"!

Marivone Vieira disse...

Não estava lá e concordo em gênero, número e grau com o que você escreveu quanto ao plano geral da atitude do brasileiro quando o assunto é: coletividade, respeito, educação (ou falta dela). A mesma falta de organização desse evento vimos em proporção menor na abertura dos portões da Feira de Gastronomia - O Mercado, que ocorreu no domingo dia 11/11/12. Ficamos na fila, por 30 min, mas os primeiros a entrar foram os espertinhos que, na maior cara lavada, simplesmente não queriam entrar na longa fila - educadamente - formada na porta do mercado (Excluo da lista as mulheres grávidas, os idosos, as mães com crianças de colo, etc., que mereciam tratamento especial, especialmente pelo sol castigante). O brasileiro é, sim, mal-educado. Sei que não são todos, eu não sou, mas é esse o legado que o brasileiro espalha pelo mundo: o do 'eXpertismo'. E muitos brasileiros VERGONHOSAMENTE se orgulham disso (eu conheço VÁRIOS). Não há o mínimo de respeito, coleguismo, companheirismo... Uma lástima.

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