São Paulo

Moussaka de Cordeiro

Tratar os clientes como se fossem da família, cozinhar com paixão e sempre com um sorriso no rosto, oferecer ótima comida árabe por um preço justo. Mesmo distante do eixo gastronômico, vale a pena cruzar a cidade para conhecer o chef boa gente Stephan Kawijan e seus deliciosos quitutes no Sainte Marie Gastronomie, para muitos o melhor árabe da cidade.

Libanês descendente de armênios, devoto de Nossa Senhora (daí o “Santa Maria” do nome do restaurante), Stephan morou na Líbia e na Itália antes de vir para o Brasil em 1987, com um sonho na mala: ser jogador de futebol. Como muitos jovens que tentam a sorte nos gramados, não deu certo. Tentou os números no mercado financeiro, mas não demorou a perceber que sua verdadeira vocação estava nas panelas, herança afetiva de sua avó armênia.

Fachada (Crédito: Marcelo Katsuki, Comes e Bebes)

Salão anexo à rotisseria

Da paixão pela comida nasceu a oportunidade de começar a produzir quitutes árabes e distribuí-los para empórios e supermercados, como Santa Maria, Santa Luzia e Saint Marché. Foi o empurrão que precisava para abrir a rotisserie (ainda o carro-chefe da casa), e que há 6 anos passou a funcionar também como restaurante. O sucesso foi imediato. No ano passado, ele alugou o imóvel ao lado para duplicar o número de mesas.

Localizado em uma rua minúscula da Vila Sônia, atrás do Cemitério da Paz e quase na divisa com o município de Taboão da Serra, o lugar é pequeno, simples e acolhedor, onde Stephan faz questão de receber os clientes como se fosse sua casa. Funciona também como empório, possibilitando que os clientes levem seus quitutes para casa. Possui estaciomento para poucos carros (o local fica em uma espécie de “galeria”, com vagas na frente), embora não raro você terá que parar o carro na rua mesmo.

Esfihas

De segunda à sexta o público-alvo é formado pela clientela fiel da região, já no final de semana (em tempo: a casa só abre aos sábados) o salão recebe gente de praticamente todas as regiões da cidade, quando a espera pode ultrapassar facilmente DUAS horas. O salão é comandado por sua esposa Sabrina, que organiza as mesas, supervisiona os funcionários e explica aos clientes quais são os especiais do dia – sim, existem pratos que não estão no menu, e que variam de acordo com a paixão criativa do chef. Os funcionários são atenciosos e cordiais, quando não sabem alguma coisa do cardápio chamam o Stephan para que o atendimento seja mais pessoal – é a tal “afofação”, como ele gosta de dizer. Não entendeu? Daqui a pouco eu explico!

Se durante a semana a engrenagem funciona perfeitamente, aos sábados o atendimento torna-se caótico, e não existe Sabrina que dê jeito. Os garçons ficam confusos, correndo freneticamente pelo salão, a cozinha não para. Você percebe que estão trabalhando, ninguém respira um minuto, mas tudo demora demais, deixam mesas sem tirar pedidos, esquecem pratos. O salão fica lotado, com pessoas amontoadas nos cantos esperando uma mesa, gente querendo pedir para viagem, gente querendo furar fila, gente reclamando do tempo de espera (sim, nem todos os problemas são culpa do restaurante). E esqueça bater aquele papo gostoso com o Stephan, até porque a essas alturas o sorriso dele provavelmente terá desaparecido.

Queijo com Bastermá

Cordeiro (provavelmente a melhor das melhores esfihas de São Paulo)

Carne (esq), cordeiro, escarola (única fechada) e queijo (dir)

Está louco(a) para conhecer o restaurante, mas só pode ir no sábado? Chegue pontualmente ao meio-dia, vá no final da tarde (onde existe o risco de algum item ter acabado na cozinha) ou prepare-se para esperar e talvez sair de lá com a sensação de não ter sido bem atendido(a). Depois não diga que eu não avisei.

Ao chegar, você será recebido pelo Stephan, facilmente reconhecido pelo bigodão alongado e sorriso enorme, com um sonoro “bonjourzão”. É impressionante como ele consegue desdobrar-se em vários, passar de mesa em mesa para falar com os clientes, orientar funcionários, finalizar um prato, checar os pedidos do empório, tudo isso sem perder o pique, sempre muito gentil e sempre acompanhado do característico “mercizão”.

Cardápio da casa, escrito em fofoñol

O ambiente pequeno e simples contrasta com os pratos caseiros (no melhor sentido “comfort food”), grandes, bonitos e sempre com apresentação impecável. São verdadeiras obras de arte. Já aviso que comida demora um pouco para ficar pronta – esqueça a imagem de “fast-food” que rotula (ao meu ver, injustamente) a culinária árabe. Lá os pratos são preparados com o carinho de quem ama o que faz, e devem ser degustados sem pressa.

O cardápio bem-humorado é uma mistureba de expressões em árabe, francês, português e alguma terceira língua criada pelo Stephan, o tal fofoñol, idioma oficial no restaurante. Lá o Tartar é definido como um “filet afofafo na faca” que leva mostarda Dijon, “aquela cidade perto de Benghazi”. Tem também a Fofomoqueca e a Fofoella (precisa tradução?), este último definido como “prato típico do outro lado do mar da Benuiolândia e lá ela se chama Paella”. Expressões como “perguntar se o mar nos afogou com garoupas, robalos e namorados” e “comidinhas que estamos tentando afofar ainda mais o ponto” normalmente conquistam os(as) clientes de primeira viagem imediatamente.

Coalhada servida no couvert

Servida como couvert, a coalhada seca de queijo de cabra vem com uma "piscininha" de azeite por cima, perfeita para ir beliscando com pão sírio quentinho enquanto a comida não chega. Com cremosidade imbatível (fica pelo menos 15 dias coalhando), tem boa acidez (embora um pouco elevada para o meu paladar), mas se você misturar com o azeite o negócio fica bem bão.

Entre as entradas, as mezzes costumam arrancam suspiros dos clientes. Além da unânime coalhada seca, que também pode ser pedida em porção (R$ 17), tem homus com espinafre, homus com beterraba (R$ 16 cada) e mtabaleh (berinjela defumada com limão, cebolinha e essência de romã; R$ 18).

Linguiça de cordeiro, ovo com gela mole e cebola dourada no azeite

As esfihas são tratadas com respeito. Com massa fina e leve, são assadas no forno a lenha e ficam em uma estufa na entrada do salão, finalizadas apenas no momento do pedido. São mais de 10 opções, das tradicionais carne (que recebe um toque de canela), queijo (ótima), escarola, zaatar e queijo com bastermá (carne desidratada e curada por 2 semanas em uma capa de temperos com páprica, lascas de casca de limão e azeite), até as inusitadas cebola (para muitos, a melhor da casa), queijo de cabra, bottarga e cordeiro (finalizada com raspas de limão; para mim a melhor de SP), entre outros. Preços variam entre R$ 5,55 e R$ 10,10.

Preparado pelo próprio Stephan, o ótimo bastermá também pode ser pedido como porção (R$ 20 a pequena; R$ 33 a grande) e vir acompanhado por um ovo frito com gema mole (R$ 2), que formam uma combinação deliciosa. O ovo com gema mole também brilha ao lado do kibe crú, dueto que aqui é chamado “à cavalo” (R$ 33).

Bastermá à cavalo (porção pequena)

Quer provar a melhor linguiça de cordeiro de SP? Aqui tem – de produção artesanal, fininha e sequinha, levemente apimentada, com pedacinhos de pistache por dentro e coberta com cebola crocante e dourada de azeite (R$ 33). O chef vai te “afofar” com um ovo frito com gema molinha (R$ 2), aceite sem pensar. E assim a brincadeira começa a ficar séria. Só não esqueça de pedir um pãozinho. O cordeiro também está presente na kafta super perfumada, servida aberta e com legumes grelhados (R$ 26).

Aliás, o Sainte Marie é o paraíso do cordeiro – tem esfiha, linguiça e moussaka (daqui a pouco falaremos sobre ela). Stephan compra o cordeiro inteiro e uma vez por semana viaja 50 quilômetros até Araçariguama para fazer as linguiças e os cortes que usará nos pratos.

Mousse de chocolate

Quer fugir dos pratos tradicionais? Prove o Kibe Montado (R$ 35), composto por três camadas de quibe: a primeira leva quibe cru prensado e levado rapidamente a chapa; na segunda, quibe assado; na terceira, outra porção de quibe cru na chapa. Sobre tudo, as famosas cebolas fritas douradas da casa (que aliás adornam a maioria dos pratos). Lindo, chama a atenção de todas as mesas quando desfila pelo salão.

Só não vá embora sem comer a ótima Moussaka de Cordeiro, homenagem do chef à culinária grega. Servida em duas versões, a primeira leva paleta de cordeiro picada (R$ 47), já na segunda a carne é móida e bem temperada (R$ 71). Bem servidas, ambas recebem lâminas de batata, berinjela e molho branco. A diferença é que a segunda recebe uma quantidade generosa de queijo de cabra por cima, que sai do forno com uma casquinha gratinada que une e acentua os sabores – sim, ela é mais cara, mas vá nela, sem pensar. As cebolas douradas estão lá, em porção generosa para fazer da alta moussaka quase um arranha-céu.

Bolo de semolina com amêndoas caramelizadas e recheio de Nutella

O chef vai tentar afofá-lo(a) mais uma vez, oferecendo aquele ovão estrelado com a gema mole escorrendo por cima (R$ 2), mas recuse. Sim, é difícil resistir, mas seja forte. Prove a versão tradicional, sinta a textura imbatível, a combinação de sabores. Mas na segunda vez, peça com ovo. E depois me conte qual achou melhor.

Não vá embora sem provar as enormes sobremesas, ideais para serem divididas. Tem o bolo de semolina com amêndoas caramelizadas e recheio de Nutella (R$ 13), tem o knefe (doce de damasco com ricota, cabelinho de anjo e mel de laranjeira; R$ 18), mas a especialidade da casa é a mousse de chocolate (receita de Laurent Suaudeau), feita com chocolate meio amargo e que recebe uma calda de maracujá por cima (R$ 19) - dica: peça a calda separada.

Knefe de damasco

IMPORTANTE: O valor da conta não inclui os 10% de serviço, e mesmo se você pedir eles não incluem o valor no cartão de crédito (odeio estabelecimentos que gostam de complicar a nossa vida). Tenha alguns reais na carteira para pagar o serviço.

Endereço: Rua Dom João Batista da Costa, 70 - Jardim Taboão
Telefone: +55 (11) 3501-7552
Horário de funcionamento: Segunda à sexta das 10hs às 20hs, sábado das 10hs às 19hs, fechado domingo
Internet: https://www.facebook.com/Mercizao